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DEBATE: DROGAS, SAÚDE PÚBLICA E SISTEMA PENINTENCIÁRIO
- 5 de maio de 2017
- Postado por ESA OAB/SE
- Categoria: Cursos Presenciais
Coordenadoria de Saúde da Escola Superior de Advocacia
– SAÚDE PÚBLICA, DROGAS E SISTEMA PRISIONAL-
SAÚDE PÚBLICA. DIREITO PENAL. INSUCESSO DO COMBATE ÀS DROGAS. POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS. MEDIDAS LEGISLATIVAS. DESCRIMINALIZAÇÃO. IMPACTO SOBRE A POPULAÇÃO CARCERÁRIA.
Informações do curso/debate
Coordenação: Rodrigo Vasco.
Data: 11/05/2017.
Horário: 18h às 22h.
Local: Escola Superior de Advocacia – ESA, Travessa Martinho Garcez, 72, ao lado do museu da Gente Sergipana.
I – Saúde Pública
De caso de polícia para uma questão de saúde pública. Quem acompanha o debate sobre as drogas no Brasil e no mundo tem visto o esforço de especialistas para mudar o foco do problema nos últimos anos. Em vez de tratar usuários e dependentes de drogas como delinquentes e marginais, cujo destino é a prisão ou a morte, médicos, sociólogos, advogados, psicólogos e outros profissionais interessados no tema propõem uma abordagem multidisciplinar capaz de aprofundar a discussão e oferecer um tratamento humanizado e de qualidade, com objetivo de garantir uma rede de apoio e atenção integral a quem precisa.
Apesar dos tabus que ainda cercam o tema das drogas, o debate sobre a descriminalização dos usuários ou sobre a regulamentação do comércio de entorpecentes ganha cada vez espaço nas sociedades contemporâneas. De acordo com especialistas, este seria um passo fundamental para tirar o assunto da esfera criminal e trazê-lo para o âmbito da Saúde Pública. A construção de uma nova política de drogas, com a ampla participação da sociedade, em seus mais diferentes segmentos, possibilitaria a troca de inócuas medidas repressivas por inovadoras medidas preventivas, baseadas em estudos e evidências científicas.
II – Drogas
Segundo o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), 3% da população mundial (185 milhões de pessoas) consumiram droga em 2013, dos quais cerca de 1,7 milhões são brasileiros que usaram maconha ou haxixe.
Deste total mundial, 146,2 milhões usaram maconha, pelo menos uma vez neste período. Se for levada em conta a população entre 15 e 64 anos, a porcentagem de pessoas consumindo drogas em todo o mundo sobe para 4,7% da população. Um grupo de 13 milhões consumiu cocaína e outros 15 milhões fizeram uso de heroína, morfina e ópio. As anfetaminas tipo estimulantes foram consumidas por 38 milhões de pessoas, das quais oito milhões fizeram uso de ecstasy.
A mudança de paradigma pata aquela abordagem multidisciplinar vem acontecendo, sobretudo, após o retumbante fracasso da Guerra às Drogas, promovida pelos Estados Unidos no século 20 e reproduzida em escalas nacionais mundo afora. A campanha de repressão às drogas ilegais resultou na prisão e na morte de milhões de pessoas em todo o planeta, mas não conseguiu diminuir o consumo ou desarticular as quadrilhas internacionais que lucram com o comércio ilegal de entorpecentes. Ao contrário: criminalizar toda a cadeia de produção, comercialização e consumo de drogas agravou o problema da violência e da corrupção, sobretudo em países pobres e em desenvolvimento.
Os trágicos desdobramentos da Guerra às Drogas provocaram reações de especialistas, políticos e da própria sociedade civil em torno da necessidade de uma nova agenda para o tema no século 21. No Brasil, uma das iniciativas de destaque foi a criação, em 2013, da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD), liderada pelo presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, e que se inspirou na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, fundada pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México). A CBBD nasceu com o objetivo de buscar políticas e práticas que sejam mais humanas e eficazes no enfrentamento do problema.
A emergência de um novo olhar sobre as drogas também se caracteriza por incluir no debate as chamadas drogas lícitas. Ao mesmo tempo em que se preocupam com os efeitos do uso de crack por populações vulneráveis, os especialistas também investigam o a questão do álcool como um problema de Saúde Pública no país. Um dos exemplos que inspiram esta virada são as campanhas de regulação da propaganda e do comércio de tabaco das últimas décadas, que conseguiram diminuir consideravelmente o número de fumantes, sem proibir o consumo da substância. Neste universo que se descortina, as campanhas de informação e conscientização ganham muito mais relevância do que a tradicional repressão ao consumidor.
O uso de drogas é um assunto que não sai da ordem do dia. Está presente nos meios de comunicação de massa, nos diálogos dos pais com filhos, nas ações das autoridades praticadas em nome da Lei, enfim em diferentes momentos e lugares da vida cotidiana. Sobretudo os meios de comunicação de massa que costumam alardear como perigosas somente as drogas consideradas ilícitas, a maconha e a cocaína. Entretanto, as drogas lícitas (álcool, fumo, medicamentos, etc.) não são alvo de alerta na mesma proporção da gravidade em que se constituem como um problema de saúde pública.
O consumo de substâncias psicoativas tornou-se uma das mais importantes questões da sociedade contemporânea, embora saibamos que as drogas existam e são consumidas desde o início da humanidade, com as mais diferentes finalidades.
A avaliação negativa da política de guerra às drogas tem levado à proposição de uma nova política, conhecida como “redução de danos”. Isso significa abandonarmos – por ilusória e impossível – a perspectiva de eliminar as drogas da face da Terra. As drogas, lícitas ou ilícitas, têm sido uma prática da humanidade desde sempre ao longo da história, e tudo indica que continuará assim. Seu consumo é uma prática cultural fortemente enraizada em todos os continentes. Socialmente falando, não há como viver sem elas. O que é preciso é reduzir os danos que provocam à saúde.
Essa talvez seja a palavra mágica: saúde. Quando se desloca o foco do crime para a saúde, considera-se os usuários leves e recreativos como indivíduos que devem ser alvo de políticas educacionais para que não se excedam no consumo, para prevenir os danos. Em segundo lugar, o consumo de drogas como questão de saúde pública implica orientar os dependentes para tratamento, e não para a prisão. Por fim, as penas da lei para os traficantes.
No caso das drogas ilícitas, o problema é mais complicado, porque a mudança de foco implica despenalizar (diminuir as penas da lei) ou descriminalizar (tornar legal) o consumo e o porte de pequenas quantidades, concentrando a repressão nos traficantes. A dificuldade é que ainda não há consenso em diversos setores da opinião pública de que esse caminho é o único com chance de sucesso.
Com a nova política, o usuário é alvo de políticas de saúde e prevenção, e apenas o produtor e o traficante se tornam alvo da polícia.
Com referência a Lei 11.343/2006 que revogou a Lei 6.368/1976, apesar da discordância de alguns doutrinadores, uns afirmando que não houve descriminalização do seu uso, mas sim alteração apenas na sanção prevista e outros afirmando que houve sim uma descriminalização formal, porém, sem a concomitante legalização nesta linha já existindo inclusive jurisprudência e com base na revolução legislativa que é possível concluir que o legislador já esta se dando conta de que a criminalização do uso de drogas não tem mais reprovação social.
Enquanto muitos dos demais países latino-americanos descriminalizaram a posse de maconha para consumo, o Brasil continua dividido.
Luis Roberto Barroso é um dos três entre os 11 juízes do Supremo Tribunal Federal que votaram recentemente em favor da descriminalização da maconha, em um caso que ele espera que possa no futuro abrir caminho à legalização.
III – Sistema Prisional
Com 715,6 mil presos em 2014, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, de acordo com dados do Centro Internacional de Estudos Prisionais (ICPS, na sigla em inglês), do King’s College, de Londres, na Inglaterra. Os Estados Unidos lideram a lista com 2,2 milhões, seguidos pela China, com 1,7 milhão. O Brasil teve um aumento na população carcerária de 267,32% nos últimos quatorze anos, segundo dados divulgados em 26/4 pelo Ministério da Justiça e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), no relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).
Além disso, o país excede a média mundial no que diz respeito ao número de presos por habitantes. Atualmente, temos 306 pessoas presas para cada 100 mil habitantes, enquanto no mundo a média é de 144 para cada 100 mil.
Segundo o Infopen, o crime que mais leva pessoas para cadeia é o tráfico de drogas. 28% dos brasileiros estão no cárcere em razão da lei de drogas, seguido de acusados ou condenados por roubo (25%) e furto (13%).
O estudo deixa claro que o maior motivo do inchaço do sistema carcerário se deve ao hiperencarceramento ligado aos crimes não violentos.
O número de pessoas aprisionadas e condenadas por “tráfico de drogas” se deve muito à falta de critérios objetivos para diferenciar o tráfico do uso pessoal, como a quantidade de drogas. A Lei 11.343/2006, em vigor desde outubro de 2006, trata com extremo rigor aqueles que são criminalizados como “traficantes”, impossibilitando uma série de medidas que poderiam levar ao desencarceramento.
Pesquisa do Núcleo de Estudo de Violência da USP de 2012 apontou que em 62% dos casos de flagrante por tráfico em São Paulo a pessoa era presa com menos de 100 gramas da droga; 80,6 % dos detidos eram réus primários.
É forçoso destacar que o que é considerado tráfico para alguns, no caso os mais vulneráveis e etiquetados pelo sistema penal, para outros é considerado porte de drogas. O sistema penal é seletivo.
A criminalização com a consequente punição do usuário afronta princípios fundamentais do direito penal, entre os quais se destaca:
I) O princípio da lesividade, segundo o qual ninguém poderá ser punido por conduta que não lesione direitos de terceiros e que não exceda o âmbito do próprio autor. Vale lembrar que o direito penal não pune a autolesão;
II) O princípio da subsidiariedade. De acordo com este princípio, desnecessário recorrer ao direito penal quando a conduta seria melhor tratada em outro ramo do direito, menos danoso ao individuo e com um custo social menor. A lei penal somente deve ser utilizado como remédio sancionador extremo, como ultima ratio;
III) O princípio da proporcionalidade da pena em relação à gravidade do “dano” causado pelo delito. A pena, principalmente em relação aquele que se situa na zona cinzenta entre o “tráfico” e o “uso”, e que dependo do seu status social será tratado como traficante ou usuário, é extremamente elevada e desproporcional.
Caso realmente a política repressora e punitiva da chamada “guerra às drogas” tivesse surtido algum efeito, não teria aumentado a diversidade de drogas, inclusive sintéticas. Não teria, também, havido o aumento considerável do número de consumidores. É preciso admitir que as “armas” utilizadas pelo Estado na “guerra às drogas”, até hoje, não foram eficazes nem para diminuir o consumo e nem para combater o tráfico.
A prisão continua sendo há mais de dois séculos a principal forma de punição para os “perigosos”, “vulneráveis”, “estereotipados” e “etiquetados”, enfim, para os que são criminalizados (criminalização primária e secundária) em razão de um processo de estigmatização, segundo a ideologia e o sistema dominante.
Apesar de todas as descobertas e avanços da humanidade a indústria do encarceramento, alimentada pela indústria do crime, continua funcionando a todo vapor em pleno século XXI.
A cultura do encarceramento é responsável pelo substancioso aumento da população carcerária – superpopulação prisional – que se materializa através da criação de novos tipos penais, cerceamento de direitos e garantias, prisão com primeira opção etc.
Lamentavelmente a sociedade tem sido levada, principalmente pela mídia, a acreditar que o direito penal pode combater e conter a criminalidade. No século XVIII Beccaria já alertava que quanto mais crimes forem criados mais crimes serão praticados. O direito penal não é e jamais será uma panaceia para os males da sociedade.
O sistema punitivo tornou-se uma máquina de produzir a criminalidade e está longe de trazer alguma espécie de paz social, verdadeiro paradoxo, um sistema seletivo, repressor e estigmatizante. Sistema que humilha e controla capaz de transformar potencialmente seus destinatários em seres humanos mais violentos, mais perversos, como o próprio sistema. Uma realidade muito distante da sociedade que o recebe sem a mínima chance de reintegração social. Muitas das condutas definidas como criminosas são um fenômeno social inevitável, fruto de uma sociedade injusta e desigual. O sistema de justiça punitiva, comprovadamente, não educa nem reintegra, pelo contrário, avilta e degrada.
Pontos de discursão:
1- Hiperencarceramento de crimes não violentos
2- Existe ressocialização no sistema penitenciário?
3- Tratamento de dependentes químicos
4- Legalização da venda de entorpecentes
5- Como não criar novos traficantes
6- Trabalho preventivo
7- Políticas públicas
8- Tratamento multidisciplinar
9- Falha nos procedimentos de perícia criminal
10- Estruturação dos departamentos de perícia criminal
Outros pontos de debate podem ser livremente levantados pelos debatedores e pelo público participante, dentro do tema central.